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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O VESTIBULAR AINDA DISTANTE DO FIM!

DE HAMILTON WERNECK
PARA FOLHA DIRIGIDA
ENTREVISTA PARA DIA 05 DE DEZ. DE 2011

1) Em 2009 o ENEM sofreu mudanças...um exame dessa magnitude.
Hamilton Werneck (HW) Buscar alternativas para o ingresso nas universidades é um aspecto positivo do Ministério da Educação e das Instituições de Ensino Superior. Os problemas que o ENEM apresenta, os demais sistemas de seleção também apresentaram. Nos vestibulares que estão ocorrendo neste mês há questões anuladas. No passado muitas agências que cuidavam dos vestibulares tiveram provas anuladas. A quantidade e a extensão territorial preocupam porque tudo no Brasil é muito grande e pode fugir ao controle. O MEC está preparado, os vestibulares mais abrangentes facilitam a quem os procura. Há, no entanto, uma questão que não aparece: os vestibulares tradicionais são marcadamente cartesianos e o ENEM apresenta perfis sistêmicos e identificáveis com a teoria da complexidade. Pode ser que os cartesianos tenham preferência pelo próprio modelo e tenham um desejo “oculto” que os leve a esperar pelo insucesso do ENEM.

2) As três primeiras edições...duas edições...consolidar primeiro? Por que?
Hamilton Werneck (HW) O que mais parece é procurar diluir a quantidade de candidatos. Em duas edições, muitos que já concluíram o ensino médio e não lograram aprovação para as universidades poderiam aproveitar um exame de meio de ano. Essa divisão poderá diminuir a quantidade de candidatos na segunda edição. Mas, na minha ótica, os problemas não são representados pela quantidade e, sim, pela segurança do sistema, o que pode ocorrer com qualquer exame, inclusive aqueles que se referem a uma única universidade. Há problemas com gráficas, transporte, fiscais e vazamento de questões. O maior problema do ENEM é que suas questões não são originais. O Banco de provas do ENEM é formado por questões que já foram aplicadas, caso contrário a Teoria da Resposta ao Item (TRI) não poderia ser usada. Este, provavelmente, o maior fator de insegurança e que levou à anulação de algumas questões de um colégio numa capital brasileira.

3) Como você vê os tipos de conteúdos cobrados...é o que deveriam ser cobrado....superior?
Hamilton Werneck (HW) A experiência da Universidade Nacional de Brasília com duas provas básicas, CIÊNCIAS HUMANAS E CIÊNCIAS DA NATUREZA tem sido uma excelente experiência dentro do modelo sistêmico e complexo. Os cartesianos não gostam disso e os positivistas também. Quando um cartesiano-positivista olha para os conteúdos programáticos eles observam, imediatamente, a necessidade de tudo dividir. Há séculos que Pascal e Giuseppe Vico se apresentaram contra essa mania de tudo querer dividir. O mundo moderno necessita muito mais de pessoas com características sistêmicas e conhecedoras da complexidade que de tipos marcadamente cartesianos. Se formos observar as estratégias usadas durante a segunda guerra mundial verificaremos que o modelo cartesiano cedeu espaço à “pesquisa operacional”, caso contrário teria sido muito difícil que os aliados ganhassem aquele conflito. O projeto Gêmini que leva o primeiro homem à lua foi um modelo sistêmico. Robert Glaser, em 1962, apresenta seu primeiro modelo sistêmico, apesar de muito simples. Hoje, o importante é o sistema, não o pedaço isolado. Morin, por exemplo, nos chama a atenção sobre a necessidade de vermos o todo e a parte. Enquanto que, para um Morriniano, o todo é maior que a soma das partes, para um cartesiano a soma das partes é igual ao todo. Creio que uma universidade necessita de pessoas com visões globais e locais, portanto não deveriam ser selecionadas dentro de um modelo cartesiano. Nesse ponto o ENEM precisa evitar cair no modelo antigo, dado que veio para, justamente, trazer uma perspectiva de mudança na direção sistêmica.

4) Os vestibulares...no lugar dos vestibulares, pelas universidades?
Hamilton Werneck (HW) Qualquer estudante, seja para responder às questões discursivas, seja para responder às questões de múltipla escolha deve saber ler e interpretar os enunciados. Aqui entramos num aspecto interessante e que deve ser analisado com precisão: como avaliar a resposta aleatória (chute), numa questão de múltipla escolha? Não seria, então, uma prova discursiva muito mais segura? Com a aplicação da Teoria da Resposta ao Item aplicada pelo ENEM é possível analisar três aspectos importantes da resposta de cada aluno: o nível de dificuldade de uma questão, seu poder discriminativo e a resposta aleatória. Tal análise só é possível se a questão for testada antes. É por isso que o ENEM testa milhares de questões e é por isso que se torna possível aplicar uma segunda prova com o mesmo nível de dificuldade da anterior, sem prejudicar aos demais concorrentes. Num vestibular tradicional, mesmo de múltipla escolha, o nível de dificuldade e o poder discriminativo de uma questão eram conhecidos depois da aplicação. No caso do ENEM este conhecimento é anterior à preparação da prova. Quanto às respostas aleatórias, uma prova tradicional nada podia informar e analisar; no ENEM, com a aplicação da TRI é possível estabelecer a probabilidade de acertos aleatórios levando-se em conta o perfil de resposta de cada aluno. O PISA usa este sistema. Muitos veículos impressos e televisados informaram que as respostas mais difíceis têm valor maior que as fáceis numa prova do ENEM. Não é verdade, precisariam conhecer a TRI mais a fundo. Tudo depende do perfil de cada aluno ao responder aos itens, assim, acaba valendo mais uma resposta correta a uma questão fácil, se ele apresentar um perfil de resposta que venha acertando as fáceis. A questão é a seguinte: como ele acerta uma questão difícil, se nem conseguiu acertar uma questão fácil? Só poderia ser através de resposta aleatória ou então “cola”. Como se vê, também esta resposta à questão que me foi feita está dependendo de uma análise muito mais sistêmica que cartesiana!

5) O MEC pretende... o ENEM tende a ser o que antes era o vestibular?
Hamilton Werneck ( HW) Além de ser uma tendência, parece claro que se trata de um desejo do MEC. A questão é que, de fato, não se acaba com o vestibular. Pode ser fácil acabar com um modelo de vestibular, marcadamente segmentado em disciplinas, cartesiano-positivista e superado para atender à vida moderna. Mas, enquanto o número de candidatos for maior que o de vagas, algum sistema de seleção precisará existir. O ENEM precisa cuidar-se para não repetir o modelo antigo e as universidades perderem bastante o desejo de ter o direito de escolher os alunos que querem educar. O país não suporta mais esta visão.

6) Influência do vestibular tradicional sobre o ensino médio...
Hamilton Werneck ( HW) O sistema de seleção para o ensino superior influencia diretamente o trabalho no ensino médio, sobretudo de escolas que têm alunos procurando a universidade. Se um aluno do ensino médio estuda com uma visão de mundo mais ampla e que, portanto, mostra que cada disciplina vai além dela; se este aluno observa valores trazidos para a sala de aula como a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade ele, de fato, está mais preparado para o mercado de trabalho. Passar em vestibular com mentalidade superada pode significar que a preparação pode ser geradora de mais um desempregado. E há muitas escolas preparando futuros desempregados por falta absoluta de criatividade. Precisamos de um aluno com a visão transdisciplinar do pesquisador que analisando o carrapicho em sua calça, intuiu e criou um produto conhecido como velcro. Saiu da botânica para a indústria de calçados e para a indústria têxtil.
Os vestibulares podem induzir o ensino médio a ser mais sistêmico e mais interdisciplinar e estaria dando uma excelente contribuição ao Brasil. O ENEM se propõe seguir esta linha. Trata-se de não desvirtuar. Os vestibulares não conseguirão acabar logo, há muita caminhada ainda, no entanto podem ser diferentes, mais modernos, mais sistêmicos e observadores do mundo complexo.

7) MEC e divulgação de resultados e desempenhos por escola...
Hamilton Werneck (HW) A divulgação contribui pouco porque as escolas matriculam alunos que desejam fazer, às vezes, outros vestibulares que não o ENEM. Melhor seria uma divulgação para a escola sem o conhecimento das outras. O ENEM propunha avaliar o ensino médio e está caindo somente no processo de seleção. Enquanto há escolas que inscrevem todos os alunos no ENEM, há outras que inscrevem menos porque os alunos não querem ser inscritos. Grave é a situação daquelas que marcam atividades inadiáveis para os alunos mais fracos e que comprometeriam suas médias, justamente no dia das provas do ENEM, para ver se seu nome aparece num local mais elevado do mapa. Trata-se de um método de subir perdendo peso, algo condenável entre educadores comprometidos com as pessoas e com a nação brasileira.

Parece-me que as demais questões fogem do tema central. Por si já fariam parte de outra entrevista comigo ou outro especialista. As duas últimas ainda têm possibilidade de resposta puxando-as para o tema. É o que farei a seguir.

8) Filosofia, sociologia, música...
Hamilton Werneck (HW) Várias disciplinas foram inseridas no currículo e são avaliadas pelo ENEM de modo direto e indireto. A visão que as introduziu foi cartesiana e precipitada porque não temos professores. Há um dispositivo legal de mentalidade mais avançada, dentro da Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional que é o tema transversal. Essas disciplinas deveriam muito mais ser transformadas em temas a serem abordados dentro do conceito de transversalidade que na forma atual de disciplinas isoladas. E não podemos deixar de analisar as outras possibilidades de criação de disciplinas que envolvam a cultura afro-brasileira, os estudos de cada estado da federação e até literatura regional. Tudo será mais fácil como tema transversal e pela verificação de que a nossa história e nossa literatura já contemplam esses assuntos. Criando mais disciplinas teremos um emaranhado enlouquecedor dos adolescentes que já detestam as escolas, inclusive pela falta de conexão entre as várias disciplinas existentes. Para que nossos alunos possam saborear mais o que estudam necessitamos de um desmanche desse currículo cartesiano, eivado de iluminismo, culturalmente atrasado e que cria uma dispersão danosa na mente de nossos adolescentes. Se o ENEM conseguir eliminar grande parte das segmentações terá trazido para todos, benefícios desejados por mentes mais modernas.

Um comentário:

  1. Adorei!!! Precisávamos ouvir isso! Ninguém melhor que você para levantar esses questionamentos... Forte abraço!!!

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