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quarta-feira, 12 de julho de 2017

500 ANOS DA REFORMA PROTESTANTE - MATANÇAS E DIVISÕES

500 ANOS DA REFORMA PROTESTANTE – IV MATANÇAS E DIVISÕES Não podemos nos iludir, cada historiador procurou puxar a sardinha para seu lado. Se um católico escrevesse sobre a noite de São Bartolomeu, certamente falaria sobre a morte de alguns líderes protestantes franceses; se o escritor fosse protestante narraria uma matança de milhares. O fato é que as guerras religiosas dominaram o cenário da vida europeia na segunda metade do século XVI e invadiram os demais séculos. Quando, hoje, o noticiário dá conta de um ônibus com cristãos coptas atacado por muçulmanos no Egito, matando umas trinta pessoas, estamos dentro de um contexto de guerra religiosa. Se buscarmos dados estatísticos constataremos que metade da população mundial não consegue sair de casa sem ser molestada, atacada, apedrejada e até morta por causa de suas convicções. Não havia, portanto, àquela época, uma diferença tão grande entre as leis de um país europeu católico em beligerância com protestantes e as leis atuais em confronto com a sharia dos muçulmanos. No fundo, cada um quer viver num estado, onde os valores subjetivos tenham ressonância com os intersubjetivos. Enfim, a Reforma Protestante veio questionar uma unidade dentro da cristandade que tinha o apoio em três pilares: um rei, uma língua e uma religião. Dentro da própria Igreja Católica muitos movimentos surgiram no final da Idade Média, alguns vindos desde àquela época, procurando chamar a atenção dos cristãos para valores basilares dos evangelhos de Jesus Cristo. Francisco de Assis, Bento de Núrcia, Catarina de Sena já vinham atuando na Igreja e provocando, dentro de suas ordens religiosas, uma transformação em relação ao modo de ver o mundo e a vida, aderindo a uma pobreza bem diferente dos palácios, como um alerta para a necessidade de alguma medida que garantisse a prática de uma vida moral mais severa em relação à riqueza, a sexualidade, ao modo de comportar-se em relação ao outro e a uma vida de oração mais profunda. A reforma de Lutero veio com o intuito de reforçar um comportamento moral bem mais severo que o existente naquela época. Se dentro da Igreja Católica surgiram movimentos que não eram coniventes com a vida relaxada, até do clero, em relação aos princípios do evangelho, imaginemos o que não ocorreu fora, com as propostas de Martinho Lutero. Outro aspecto da unidade da cristandade que foi questionado e abalou também as estruturas católicas, foi a questão da livre interpretação dos textos sagrados. Aquela unidade advinda de uma pregação com base em textos que só o clero compreendia, de estudos com o uso de uma mesma língua, dificultando uma interpretação diferente para várias palavras, expressões ou textos, ficou perdida diante das várias possibilidades de interpretação que a Reforma Protestante trazia em seu bojo. A mudança paradigmática foi abrangente. Não se ateve somente aos aspectos religiosos e teológicos. Houve mudanças na política, na formação do Estado Nacional, na economia, na busca do lucro, no governo da Igreja Católica e até na melhoria dos armamentos, dado que muitas guerras exigiram seu aprimoramento. A Reforma Protestante, enquanto uma proposta feita por Martinho Lutero, praticamente ficará restrita à Alemanha, embora a Suécia a tenha abraçado, o mesmo ocorrendo com a Dinamarca. Mas, se não houvesse a participação, sobretudo de João Calvino, o luteranismo seria uma religião reformada e adequada à Alemanha. Graças à possibilidade de interpretações, vários outros seguidores de Lutero criaram igrejas novas com outras características bem diversas daquela tipicamente germânica. Por isso é importante tratar aqui da latinização do protestantismo, onde João Calvino tem um papel relevante. Professor Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante. www.hamiltonwerneck.com.br

sexta-feira, 30 de junho de 2017

500 ANOS DA REFORMA PROTESTANTE – III O SEQUESTRO DE LUTERO No contexto desta reforma religiosa há um fato marcante que pode ser considerado um divisor de águas, quando um poder civil, dentro da Alemanha, dá cobertura a Lutero, evitando que ele fosse preso por alguma força civil de algum reino católico. Definido o campo religioso das batalhas, ficava claro que deveria haver uma intervenção civil, com apoio do Papa, prendendo Martinho Lutero, considerando-o um herege e, portanto, pernicioso ao mundo civil da época e ao mundo religioso. A reforma era uma verdadeira rebelião contra poderes civis e religiosos. Os reis católicos, pela consciência de sua própria segurança, estavam sendo questionados com a proposta de uma outra religião; o Papa, por sua vez, era questionado em sua autoridade religiosa, como sucessor do apóstolo Pedro, na condução da Igreja de Cristo. Urgente se fez uma aliança, como em épocas anteriores, para acabar com qualquer tentativa de divisão da Cristandade. Se tudo tivesse dado certo, como acontecia nesses reinos em décadas anteriores, Lutero teria sido preso, castigado, condenado e sua vida teria fim junto às cinzas de alguma fogueira armada em algum canto da Europa. O Papa aliou-se, nessa questão, a um dos reis mais famosos e mais poderosos da Europa, Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico, também conhecido como Carlos I da Espanha, com tentáculos políticos sobre a região das Flandres, a península Ibérica e muitos principados da Europa Central. Este rei decide enviar uma expedição para prender Martinho Lutero que já reunia adeptos, sobretudo na região da Saxônia. Suas ideias encantavam os nacionalistas e impressionavam os que esperavam um dia libertar-se de Roma e de alguns reis indesejados. Foi neste cenário que se deu o sequestro de Lutero. Antes da ação policial desencadeada por Carlos V, uma força ainda desconhecida entra em cena e sequestra Lutero, levando-o para Wartburg, na Alemanha, não para liquidá-lo e, sim, protegê-lo. Tratava-se de uma ação promovida por Frederico da Saxônia que era um príncipe nomeado por Carlos V governador da província da Holanda, conhecido como o Stathoder da Holanda, portanto, um homem da confiança de um rei católico e, ainda mais, eleitor do Papa. Neste momento, a figura dos fatos muda de cor. Lutero fora acolhido por uma figura alemã poderosa, de um lado pessoa da confiança de um dos mais fortes reis europeus, de outro, eleitor do príncipe da Igreja Católica. Em Wartburg, sem ser molestado, Lutero traduz a Bíblia para o alemão e escreve o livro “Sobre a Nobreza Cristã da Nação Alemã”. Não havia mais dúvida. A divisão estava criada e atingia o mundo religioso e civil. A partir de uma Bíblia traduzida, os leitores da época, embora poucos, poderiam ler um texto, antes acessível somente ao clero, que conhecia o latim vulgar. Muitos sermões, como acontecia até a década de sessenta do século passado, nas missas católicas, quando a língua do culto era o latim, reduziam-se a uma tradução explicada por parte do celebrante. No momento em que os rituais católicos passaram a usar o vernáculo, estes sermões tiveram que mudar de figura. Ler, por ler, todos liam, embora a linguagem pela defasagem de época, continuasse pouco acessível. Imaginemos naquela época do século XVI um maior acesso ao texto base da cristandade! Muita gente deve ter sentido o chão desaparecer debaixo de seus pés. Mas, este não é o único ato que preocupa a sociedade e seus dirigentes. Nascido no século XVI, em 1592 na Morávia, Jan Amós Komensky, conhecido popularmente como Commenius, foi um bispo protestante que escolheu os caminhos da educação, estudou teologia conforme a orientação calvinista, inventou o quadro negro e escreveu a primeira cartilha para que o povo pudesse aprender a ler e escrever. "Orbis Pictus", concebido em Sárospatak, na Hungria, em 1657 e publicado em 1658, em Nuremberg, é considerado o primeiro livro didático ilustrado e a primeira cartilha do mundo cristão ocidental. Foi utilizado na Europa reformista durante mais de dois séculos após sua publicação. Ainda hoje há um debate intenso a respeito de seus alicerces teórico-metodológicos. Porém, o que podemos afirmar é que "Orbis Pictus" desmitifica que o uso da imagem na educação escolar e na produção do conhecimento seja algo pensado apenas na moderna sociedade industrial. O estudo desta obra aponta para a necessidade de pensarmos que imagem, aprendizagem e conhecimento componham uma articulação histórica e que tenham história material. Vejamos que um século após a eclosão do movimento de separação, dentro de muitas situações de guerras religiosas cada uma trazendo em seu bojo, alguns fatos detestáveis, sobretudo dentro da cristandade, bastando para tanto citar a “noite de São Bartolomeu”, naquele agosto de 1572 quando, na França, promoveu-se uma matança de protestantes huguenotes, dois problemas para a sociedade dominante e seus governantes estavam claros: a Bíblia podia ser lida e a imprensa a servia usando a invenção de Guttemberg; o povo poderia aprender a ler e, em consequência, questionaria mais seus governantes. Percebe-se, com a ótica daquela época, para não fugirmos do conselho de Max Weber que orienta os estudos e julgamentos no sentido da História, que o panorama sofrera uma radical mudança. E, sem dúvida, esta grande transformação será provocada pela Reforma Protestante e, depois, pela reação católica, chamada de Contra-Reforma. Nem é necessário explicar o porquê deste Commenius ter sido expulso de onze cidades da Europa. Ele era, na verdade, um militante da educação, coisa que não interessava aos governantes. Às vezes a gente pensa que não houve grande mudança no mundo, sobretudo no Brasil. É verdade. Trataremos disso mais adiante. Professor Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante. www.hamiltonwerneck.com.br


500 ANOS DA REFORMA PROTESTANTE – II Outra estrutura necessária para que seja compreendida em que caldo cultural a reforma protestante surgiu, era a organização dos reinos europeus onde, na verdade, o Papa era considerado como um verdadeiro príncipe, governando com uma estrutura monárquica como ocorre até nossos dias. A teoria de Bossuet, do direito divino, ou seja, alguém governa porque Deus permite ou o quer, era a doutrina de justificativa do poder, conhecida séculos depois como a proposta árquica do poder, a ser questionada por outra, a estrutura télica, surgida com a revolução francesa. Enquanto uma observava a origem do poder, a outra, mirava a quem ele se destinava. Tal explicação encontra-se mais ampliada no livro O Argumento Liberal de José Guilherme Merchior, diplomata, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras. Os reis e príncipes defendiam a ferro e fogo um dos pilares da segurança do reino, “uma religião”. Estes príncipes eram em grande parte parentes entre si e, muitas famílias europeias tinham príncipes civis, nobres em suas cortes, que eram eleitores oficiais do Papa. Quando acompanhamos, hoje, num conclave fechado na Capela Sistina, a eleição de um Papa, isto é feito pelos príncipes da Igreja, ou seja, pelos cardeais. Atualmente não há mais príncipes civis nas eleições papais. Na época de Lutero, havia. Em cada reino, por sua vez, os bispos viviam na corte, muitas vezes originários de uma família real e não eram encontrados nas suas dioceses. Foi o Concílio de Trento que determinou que cada Bispo deveria viver em sua diocese, como pode ser presenciado em qualquer diocese católica em nossos dias. Conclui-se que os dirigentes da Igreja à época eram pessoas de origem nobre e, como tais viviam, recebendo inclusive, as benesses do reino. Também contra tal comportamento Lutero se rebela. A língua da Igreja era o latim vulgar, responsável pela unificação europeia depois da queda do Império Romano, resultado de uma interligação do latim clássico com as várias línguas dos povos que invadiram o Império Romano. Mais tarde elas foram se dividindo, conservando a Europa, mesmo a anglo-saxônica, com muitas palavras em seu vocabulário que são de origem latina. O povo pobre, na realidade, ficava à mercê dos cuidados do chamado “baixo clero”, por sua vez também pobre e sem títulos de nobreza. Lutero questiona tudo isso como alguma coisa muito distante das propostas dos evangelhos de Jesus Cristo. Como se vê, a eclosão do movimento de 31 de outubro de 1517 em pleno território alemão, abalou as estruturas da Igreja Católica que se via ameaçada, inclusive, com a perda da hegemonia da interpretação da Bíblia porque Lutero trabalhou na tradução deste livro sagrado, para a língua alemã. Diria Yuval Harari em seu livro, Uma Breve História da Humanidade Sapiens que no subjetivo de cada pessoa e no intersubjetivo começava a ser substituída a hermenêutica católica, por uma hermenêutica Luterana e tipicamente alemã. Lutero desenvolveu alguns importantes trabalhos escritos, dos quais destaco: a tradução da Bíblia para o alemão e outro livro sobre a Nobreza Cristã da Nação Alemã. Até nos meios eclesiásticos se diz que os alemães consideram na expressão latina que “ asinus germanus, doctor romanus est”, um asno alemão é um doutor romano. Lutero mexeu com este tipo de brio nacionalista. Assim, aos poucos, ficam sendo estabelecidas as bases para a compreensão deste movimento de divisão da cristandade, com reflexos até hoje. Professor Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante. www.hamiltonwerneck.com.br


500 ANOS DA REFORMA PROTESTANTE – I CONTEXTO HISTÓRICO É importante para a compreensão da Reforma Protestante, entender o contexto histórico em que ela se deu, seus antecedentes e os conflitos de ideias que se acumulavam desde a idade média. Esta reforma eclodiu no dia 31 de outubro de 1517, quando o monge agostiniano, Martinho Lutero pregou 95 teses na porta do castelo e igreja de Wittembrg na Alemanha. Não se tratava de algo inusitado. Era comum, na época, escrever algumas ideias em pergaminho e pregar em portas de catedrais. Na verdade, estas portas eram os outdoors da época. Quem desejasse alguma comunicação, que a fizesse por lá. Lutero usou a comunicação disponível em sua época. O choque das ideias ali expostas ocorreu por se tratar de uma fustigada severa nas normas disciplinares da Igreja Católica, na autoridade do Papa e uma crítica muito forte às indulgências. Esta questão das indulgências pode ser vista de vários ângulos e, por sua vez, tem seu contexto. No século XII a cristandade ainda sem perspectivas de uma divisão tão séria, vivia com a crença na dualidade da salvação/condenação ou, como queiram, entre céu e inferno. Os debates dentro da Igreja Católica levaram a uma busca de saída intermediária, com a invenção do purgatório, local onde permaneciam as almas dos pecadores que não mereciam a pena eterna do inferno, nem a imediata caminhada para a paz celestial. Uma das maneiras de se ajudar uma alma a sair do purgatório era pagando as indulgências. Este pagamento poderia ser com sacrifícios pessoais, orações, penitências ou contribuições pecuniárias. A pessoa que ganhava comprava indulgências tinha o perdão de todos os seus pecados e o livramento das penas futuras, após a morte, no inferno. Esta invenção rendeu tanto à Igreja Católica em contribuições que foi possível a construção na colina do vaticano, uma das sete que existem na cidade de Roma, da basílica de São Pedro, conhecida hoje, popularmente, como Vaticano. Então, posicionar-se contra as indulgências era algo que atrapalhava muito a vida dentro da Igreja Católica. Ressalta-se que nem todos os cristãos da época tinham dinheiro para conseguir indulgências, daí a busca de outros meios para compensar e, após o Concílio de Trento, a venda das indulgências foi proibida e estimulado um comportamento voltado para questões espirituais. As propostas de Martinho Lutero atingiam outra questão muito importante que poderia ser comparada à segurança nacional do estado moderno. Três pilares sustentavam esta segurança: um rei, uma língua, uma religião. Portanto, ensinar outra língua, seria um fator de divisão, defender a derrubada de um rei, colocando outro em seu lugar, outro crime contra a segurança e, finalmente, pregar uma religião diferente daquela tida como oficial no reino, mais um crime grave. A vida europeia era assim pautada e os princípios do Estado Nacional brotavam como muito fortes naquele início de século XVI. Cada região desenvolvia o seu orgulho próprio, a sua consciência nacional e se defendia, não querendo pagar tributos a outros reinos. Nesse caso, se um germânico pagasse um valor correspondente a uma indulgência, não gostaria de enviar este dinheiro para Roma. Vê-se, portanto, na proposta de Lutero, uma forte tendência germânica em sua reforma e um questionamento de uma aliança muito antiga formadora do Império Romano-Germânico. Poderíamos ampliar este contexto, no entanto, eles são basilares o suficiente, para entendermos o desenrolar dos fatos. Professor Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante. www.hamiltonwerneck.com.br