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sexta-feira, 30 de junho de 2017

500 ANOS DA REFORMA PROTESTANTE – III O SEQUESTRO DE LUTERO No contexto desta reforma religiosa há um fato marcante que pode ser considerado um divisor de águas, quando um poder civil, dentro da Alemanha, dá cobertura a Lutero, evitando que ele fosse preso por alguma força civil de algum reino católico. Definido o campo religioso das batalhas, ficava claro que deveria haver uma intervenção civil, com apoio do Papa, prendendo Martinho Lutero, considerando-o um herege e, portanto, pernicioso ao mundo civil da época e ao mundo religioso. A reforma era uma verdadeira rebelião contra poderes civis e religiosos. Os reis católicos, pela consciência de sua própria segurança, estavam sendo questionados com a proposta de uma outra religião; o Papa, por sua vez, era questionado em sua autoridade religiosa, como sucessor do apóstolo Pedro, na condução da Igreja de Cristo. Urgente se fez uma aliança, como em épocas anteriores, para acabar com qualquer tentativa de divisão da Cristandade. Se tudo tivesse dado certo, como acontecia nesses reinos em décadas anteriores, Lutero teria sido preso, castigado, condenado e sua vida teria fim junto às cinzas de alguma fogueira armada em algum canto da Europa. O Papa aliou-se, nessa questão, a um dos reis mais famosos e mais poderosos da Europa, Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico, também conhecido como Carlos I da Espanha, com tentáculos políticos sobre a região das Flandres, a península Ibérica e muitos principados da Europa Central. Este rei decide enviar uma expedição para prender Martinho Lutero que já reunia adeptos, sobretudo na região da Saxônia. Suas ideias encantavam os nacionalistas e impressionavam os que esperavam um dia libertar-se de Roma e de alguns reis indesejados. Foi neste cenário que se deu o sequestro de Lutero. Antes da ação policial desencadeada por Carlos V, uma força ainda desconhecida entra em cena e sequestra Lutero, levando-o para Wartburg, na Alemanha, não para liquidá-lo e, sim, protegê-lo. Tratava-se de uma ação promovida por Frederico da Saxônia que era um príncipe nomeado por Carlos V governador da província da Holanda, conhecido como o Stathoder da Holanda, portanto, um homem da confiança de um rei católico e, ainda mais, eleitor do Papa. Neste momento, a figura dos fatos muda de cor. Lutero fora acolhido por uma figura alemã poderosa, de um lado pessoa da confiança de um dos mais fortes reis europeus, de outro, eleitor do príncipe da Igreja Católica. Em Wartburg, sem ser molestado, Lutero traduz a Bíblia para o alemão e escreve o livro “Sobre a Nobreza Cristã da Nação Alemã”. Não havia mais dúvida. A divisão estava criada e atingia o mundo religioso e civil. A partir de uma Bíblia traduzida, os leitores da época, embora poucos, poderiam ler um texto, antes acessível somente ao clero, que conhecia o latim vulgar. Muitos sermões, como acontecia até a década de sessenta do século passado, nas missas católicas, quando a língua do culto era o latim, reduziam-se a uma tradução explicada por parte do celebrante. No momento em que os rituais católicos passaram a usar o vernáculo, estes sermões tiveram que mudar de figura. Ler, por ler, todos liam, embora a linguagem pela defasagem de época, continuasse pouco acessível. Imaginemos naquela época do século XVI um maior acesso ao texto base da cristandade! Muita gente deve ter sentido o chão desaparecer debaixo de seus pés. Mas, este não é o único ato que preocupa a sociedade e seus dirigentes. Nascido no século XVI, em 1592 na Morávia, Jan Amós Komensky, conhecido popularmente como Commenius, foi um bispo protestante que escolheu os caminhos da educação, estudou teologia conforme a orientação calvinista, inventou o quadro negro e escreveu a primeira cartilha para que o povo pudesse aprender a ler e escrever. "Orbis Pictus", concebido em Sárospatak, na Hungria, em 1657 e publicado em 1658, em Nuremberg, é considerado o primeiro livro didático ilustrado e a primeira cartilha do mundo cristão ocidental. Foi utilizado na Europa reformista durante mais de dois séculos após sua publicação. Ainda hoje há um debate intenso a respeito de seus alicerces teórico-metodológicos. Porém, o que podemos afirmar é que "Orbis Pictus" desmitifica que o uso da imagem na educação escolar e na produção do conhecimento seja algo pensado apenas na moderna sociedade industrial. O estudo desta obra aponta para a necessidade de pensarmos que imagem, aprendizagem e conhecimento componham uma articulação histórica e que tenham história material. Vejamos que um século após a eclosão do movimento de separação, dentro de muitas situações de guerras religiosas cada uma trazendo em seu bojo, alguns fatos detestáveis, sobretudo dentro da cristandade, bastando para tanto citar a “noite de São Bartolomeu”, naquele agosto de 1572 quando, na França, promoveu-se uma matança de protestantes huguenotes, dois problemas para a sociedade dominante e seus governantes estavam claros: a Bíblia podia ser lida e a imprensa a servia usando a invenção de Guttemberg; o povo poderia aprender a ler e, em consequência, questionaria mais seus governantes. Percebe-se, com a ótica daquela época, para não fugirmos do conselho de Max Weber que orienta os estudos e julgamentos no sentido da História, que o panorama sofrera uma radical mudança. E, sem dúvida, esta grande transformação será provocada pela Reforma Protestante e, depois, pela reação católica, chamada de Contra-Reforma. Nem é necessário explicar o porquê deste Commenius ter sido expulso de onze cidades da Europa. Ele era, na verdade, um militante da educação, coisa que não interessava aos governantes. Às vezes a gente pensa que não houve grande mudança no mundo, sobretudo no Brasil. É verdade. Trataremos disso mais adiante. Professor Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e palestrante. www.hamiltonwerneck.com.br


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